Viúva, porém honesta. Peça
psicológica do nosso grande dramaturgo, Nelson Rodrigues, definida por ele como
"Farsa irresponsável em três atos". Para falar a verdade, acredito que este não é
um de seus melhores textos, ou melhor, não é daqueles que escreveu com sua
maior excelência. Trata-se de um texto despreocupado, sem grandes fidelidades
às regras de dramaturgia. Um texto descompromissado, onde o autor satiriza a
sociedade e seus valores, desmoralizando a figura do crítico teatral (que tanto
importunava suas obras) e colocando em cheque instituições como a família, a
medicina, a psicanálise e o jornalismo.
O
enredo é simples, porém com idas e vindas no tempo, utilizando o recurso do flash
back para contextualizar a trama. A situação inicial apresentada é a morte
prematura do marido da filha (de apenas quinze anos) do diretor de um
importante jornal do país, atropelado por uma carrocinha de Chicabon. O pai da
menina tenta convencê-la a seguir sua vida normalmente, deixar o luto e
casar-se novamente. Para isso, contrata uma ex-prostituta, um psicanalista e um
otorrinolaringologista, todos charlatães. Existe uma reconstituição da história
do casamento da menina, Ivonete, com o crítico de teatro, Dorothy Dalton,
homossexual e ex-detento de uma casa que abriga menores. Tal casamento só
acontece por conta de um falso diagnóstico de gravidez dado à menina. Uma vez
casada, Ivonete trai seu marido quatro vezes na sua noite de núpcias. Depois de
viúva, promete que nunca mais irá sentar. Trair um vivo tudo bem, mas
desrespeitar um morto, jamais. Aparece o personagem Diabo da Fonseca, que acaba
por ressuscitar Dorothy Dalton e, em troca, desposar Ivonete.
Tive
uma boa surpresa ao assistir ao espetáculo do grupo Magiluth de Pernambuco na
sua versão para o texto de Nelson. O espetáculo é interessante, surpreendente e
divertido do início ao fim. Ao entrar no teatro já fui surpreendida ao perceber
que o grupo pernambucano propunha uma encenação diferente da maioria dos
espetáculos guiados por textos do consagrado dramaturgo, Nelson Rodrigues. Atores
em cena conversando com o público que entrava, cadeiras com todos os adereços
necessários para contar essa história ao público. Talvez um cenário já visto em
diversas encenações contemporâneas, porém, inovador neste contexto. A encenação
simples conversa muito bem com a proposta farsesca bem investida pelo grupo
Magiluth.
A
escolha por não determinar um personagem somente para um ator é bem vinda e dá
dinâmica ao espetáculo, as trocas constantes de personagens contribuem para a
proposta farsesca de Nelson Rodrigues e também do grupo Magiluth. A escolha dos
adereços usados para representar os personagens nos diferentes atores é
acertada uma vez que seguem a simplicidade do cenário e contribuem para trocas
rápidas, vez que outra propositalmente mal executadas. O elenco é integralmente
masculino, o que já traz comicidade na interpretação dos personagens femininos.
Os cinco atores, presentes o tempo inteiro em cena, estão equilibrados e jogam
bem juntos. Em alguns momentos exageram no volume de suas falas, porém nunca
deixam o espetáculo cair ou criar a famosa “barriga”.
Em Viúva, porém honesta do grupo Magiluth,
o espectador é, a todo momento, lembrado de que está no teatro e de que tudo
que está vendo não faz parte da vida. A música escolhida para abrir o
espetáculo é Puro teatro, de La Lupe,
e já na sua letra diz o que o próprio título anuncia. O espectador é
surpreendido com um aquecimento partiturizado dos atores junto com a música. A
escolha de colocar o diretor em cena operando o som e a luz também faz parte
desta concepção, assim como momentos dos atores durante o espetáculo fazendo
comentários sobre a atuação.
O grupo
Magiluth desenvolve pesquisa continuada de linguagem desde 2004 em Recife. O
espetáculo Viúva, porém honesta foi vencedor do Prêmio APACEPE nas categorias:
melhor diretor, melhor ator (Erivaldo Oliveira) e melhor espetáculo de 2012.
* Elisa Heidrich é atriz, Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS
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