domingo, 22 de setembro de 2013

Viúva, porém honesta por Elisa Heidrich


Viúva, porém honesta. Peça psicológica do nosso grande dramaturgo, Nelson Rodrigues, definida por ele como "Farsa irresponsável em três atos". Para falar a verdade, acredito que este não é um de seus melhores textos, ou melhor, não é daqueles que escreveu com sua maior excelência. Trata-se de um texto despreocupado, sem grandes fidelidades às regras de dramaturgia. Um texto descompromissado, onde o autor satiriza a sociedade e seus valores, desmoralizando a figura do crítico teatral (que tanto importunava suas obras) e colocando em cheque instituições como a família, a medicina, a psicanálise e o jornalismo.
O enredo é simples, porém com idas e vindas no tempo, utilizando o recurso do flash back para contextualizar a trama. A situação inicial apresentada é a morte prematura do marido da filha (de apenas quinze anos) do diretor de um importante jornal do país, atropelado por uma carrocinha de Chicabon. O pai da menina tenta convencê-la a seguir sua vida normalmente, deixar o luto e casar-se novamente. Para isso, contrata uma ex-prostituta, um psicanalista e um otorrinolaringologista, todos charlatães. Existe uma reconstituição da história do casamento da menina, Ivonete, com o crítico de teatro, Dorothy Dalton, homossexual e ex-detento de uma casa que abriga menores. Tal casamento só acontece por conta de um falso diagnóstico de gravidez dado à menina. Uma vez casada, Ivonete trai seu marido quatro vezes na sua noite de núpcias. Depois de viúva, promete que nunca mais irá sentar. Trair um vivo tudo bem, mas desrespeitar um morto, jamais. Aparece o personagem Diabo da Fonseca, que acaba por ressuscitar Dorothy Dalton e, em troca, desposar Ivonete.
Tive uma boa surpresa ao assistir ao espetáculo do grupo Magiluth de Pernambuco na sua versão para o texto de Nelson. O espetáculo é interessante, surpreendente e divertido do início ao fim. Ao entrar no teatro já fui surpreendida ao perceber que o grupo pernambucano propunha uma encenação diferente da maioria dos espetáculos guiados por textos do consagrado dramaturgo, Nelson Rodrigues. Atores em cena conversando com o público que entrava, cadeiras com todos os adereços necessários para contar essa história ao público. Talvez um cenário já visto em diversas encenações contemporâneas, porém, inovador neste contexto. A encenação simples conversa muito bem com a proposta farsesca bem investida pelo grupo Magiluth.
A escolha por não determinar um personagem somente para um ator é bem vinda e dá dinâmica ao espetáculo, as trocas constantes de personagens contribuem para a proposta farsesca de Nelson Rodrigues e também do grupo Magiluth. A escolha dos adereços usados para representar os personagens nos diferentes atores é acertada uma vez que seguem a simplicidade do cenário e contribuem para trocas rápidas, vez que outra propositalmente mal executadas. O elenco é integralmente masculino, o que já traz comicidade na interpretação dos personagens femininos. Os cinco atores, presentes o tempo inteiro em cena, estão equilibrados e jogam bem juntos. Em alguns momentos exageram no volume de suas falas, porém nunca deixam o espetáculo cair ou criar a famosa “barriga”.
Em Viúva, porém honesta do grupo Magiluth, o espectador é, a todo momento, lembrado de que está no teatro e de que tudo que está vendo não faz parte da vida. A música escolhida para abrir o espetáculo é Puro teatro, de La Lupe, e já na sua letra diz o que o próprio título anuncia. O espectador é surpreendido com um aquecimento partiturizado dos atores junto com a música. A escolha de colocar o diretor em cena operando o som e a luz também faz parte desta concepção, assim como momentos dos atores durante o espetáculo fazendo comentários sobre a atuação.
O grupo Magiluth desenvolve pesquisa continuada de linguagem desde 2004 em Recife. O espetáculo Viúva, porém honesta foi vencedor do Prêmio APACEPE nas categorias: melhor diretor, melhor ator (Erivaldo Oliveira) e melhor espetáculo de 2012.
 
* Elisa Heidrich é atriz, Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS 

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