sábado, 22 de setembro de 2012

Niño enterrado por Leonardo Della Pasqua



O que aconteceria se, após anos sem ter contato com sua família, você voltasse a encontrá-los e não fosse reconhecido por ninguém? Que consequências subjetivas teria isto? O que haveria causado tal esquecimento? Quais seriam as repercussões desse fato? Não conseguindo deixar meu ofício de lado ao entrar em contato com o texto do dramaturgo norte-americano Sam Shepard, essas perguntas iam surgindo conforme a peça Niño enterrado ia avançando. O texto, que ganhou o prêmio Pulitzer em 1979, envolve o espectador em perguntas, enquanto vai surpreendendo-o com suas revelações.  
A trama inicia-se em uma casa de campo. Neste ambiente, vivem pessoas com as vidas marcadas por um segredo, um segredo traumatizante, que não pode ser falado pela turbulência emocional que gera. Um cadáver, enterrado nos fundos da casa, atormenta esta família. Um trauma que afeta a percepção das coisas e impossibilita a vivência da alteridade. Ninguém “enxerga” o outro neste contexto.Todos são voltados para si, tentando diminuir o próprio suplício interno como podem. Fazem um pacto silencioso: não se nomeará o ocorrido; todos devem esquecer! Com isso, outras lembranças também são recalcadas. Um filho e neto também é esquecido. Cria-se um novo trauma e a situação de violência e loucura se repetem e se perpetuam. Os membros da família ficam capturados na própria história familiar. 
A peça criada por Sam Shepard é excepcional! Nos mostra como um ambiente psicótico pode produzir loucura em quem é são. Infelizmente as diferenças linguísticas entre o português e o espanhol uruguaio dificultaram a compreensão do que era dito. A dicção de alguns atores do espetáculo transformava a escuta do texto uma tarefa árdua. As sutilezas foram ficando pelo caminho, aumentando o desconforto que o texto já causava. 
Não sou nenhum crítico de teatro, portanto, não estou habilitado a fazer uma análise criteriosa da direção da peça. Porém, o que possodizer do trabalho de Sergio Pereira é que sua direção gira em torno das dissociações. Parte da trama se passa na coxia do teatro. Portanto, não temos contato visual com o que ocorre. Ouvimos as vozes dos protagonistas, mas não vemos o que acontece. Por outro lado, parte do cenário é dividido em ambientes que são transparentes, onde podemos ver o que acontece através das paredes. Os muros não privatizam a experiência da família! Situação semelhante pude assistir em alguns filmes do cineasta dinamarquês Lars von Trier. Em Dogville e Manderlay o diretor elimina os muros do cenário com o recurso cênico principal. 
Percebe-se a força do trabalho deste grupo de teatro, mas as barreiras linguísticas distanciaram a esperimentação plena do espetáculo. Muitos espectadores saíram do teatro com a sensação de desconforto. Um desconforto que fugia da esperiência da peça. Eram dificuldades linguísticas! Penso que esses aspectos devem ser melhor pensados por quem vem apresentar um espetáculo em língua estrangeira na nossa capital.
 
*Leonardo Della Pasqua é psicólogo e psicanalista

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