sábado, 22 de setembro de 2012

Antes do silêncio por Bia Noy



Outros amores me seriam necessários, talvez. Mas o amor, isso não se comanda.
                                                                                                           Samuel Beckett, Primeiro amor 

            Inspirado na novela Primeiro amor de Samuel Beckett (escrita em 1945 mas publicada apenas em 1970), o espetáculo dirigido por Eid Ribeiro tem momentos de pura poesia, exatamente como o autor nos proporciona em sua escrita. O encontro entre um quase vagabundo e narrador da história chamado Sam, e uma prostituta, Lulu, se dá quando este é expulso de casa após a morte do pai. O protagonista tem como atividade principal vaguear. Ele não trabalha, é descompromissado em relação à vida e não possui pretensões. A moça o acolhe em sua morada, começando assim uma convivência harmônica, porém não menos estranha, que convém a ambos os personagens. Sam, no entanto, revela seu lado cru, egoísta e solitário.
            Os atores têm uma interpretação justa e sincera, com méritos para o trabalho de Rodolfo Vaz. O protagonista da história consegue, com suas pedrinhas, prender a atenção do público durante toda a peça. O belo trabalho corporal e vocal de Rodolfo Vaz nos remete à uma figura digna de um personagem beckttiano. Sua cúmplice, Kelly Criffer, consegue igualmente compor um tipo inusitado e interessante.
            A iluminação contribui de forma coerente para a encenação, auxiliando na construção do universo vivido pelos personagens. O cenário, ao mesmo tempo que colabora para a criação de uma atmosfera miserável, é, ao meu ver, quase que ocioso. Admiradora do palco nu, acredito que o supérfluo não se faz necessário para a composição do universo demandado pelo texto, uma vez que os atores o constroem com suas figuras.
            O texto de Samuel Beckett é devidamente respeitado. Críveis, as palavras pronunciadas pelos atores possuem o ritmo condizente com as representações dos personagens. O que me falta, opinião de uma mera apaixonada por Beckett, é o silêncio. Sabemos que a escrita de Primeiro amor é fluente e relativamente tradicional ao ser comparada a outras obras do escritor. Entretanto, mesmo sem os tropeções e hesitações que tomarão conta dos futuros textos do autor, ainda penso que na encenação, poderia haver mais instantes de suspensão. Creio que os silêncios típicos de Beckett, transbordados de solidão e de vazio só viriam a enriquecer o trabalho. As músicas estão em excesso. Não precisa de tanto. A presença cênica dos atores seria suficiente para sustentar as constrangedoras pausas características do autor irlandês.
            Enfim, Antes do silêncio é um espetáculo que consegue apresentar ao público bons momentos beckttianos, onde o riso provocado pela angústia da verdade e da crueldade é constrangedor. É uma boa peça a ser apreciada!
*Bia Noy é atriz e doutoranda em Letras pela UFRGS

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