sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A peça do casamento por Marcelo Adams

Procurei no Google alguns comentários sobre esta A peça do casamento, e deparei com muitas menções elogiosas, inclusive da "decana" Bárbara Heliodora. De forma geral, elogia-se o texto de Edward Albee, autor de grande peças como Quem tem medo de Virginia Woolf?, Zoo Story e Um equilíbrio delicado. A peça do casamento, escrita por Albee em 1987, e que era inédita no Brasil até esta montagem dirigida por Pedro Brício, retoma alguns tópicos já trabalhados pelo autor em Virginia Woolf e Equilíbrio delicado: relações familiares e maritais. Mas, se nas duas peças citadas, o resultado era impactante, não consegui me entusiasmar por A peça do casamento. Refleti comigo mesmo do porque disto: lá estão as ironias, as crueldades, o humor muitas vezes calcado no mau humor das personagens, bem como as figuras que transitam entre a meia-idade e o início da velhice (leia-se: experientes na vida, mas seguidamente indecisas sobre como lidar com ela, apesar disso). Acho que encontrei a resposta: Quem tem medo de Virginia Woolf? dispõe de uma brilhante versão cinematográfica ao nosso alcance (de 1966, dirigida por Mike Nichols). Conheço essas peças também pela leitura, o que, como é sabido, coloca à imaginação do leitor o desafio de encenar em sua cabeça os diálogos e ações propostos pelo dramaturgo. Assim, ao ler Virginia Woolf e Equilíbrio delicado, eu construía as figuras que me pareciam mais atraentes para dar conta do ferino texto de Albee. No caso de A peça do casamento, cujo texto eu desconhecia, só tomando contato com ele através da encenação de Brício, ocorreu algo que me distanciou: justamente a concretização cênica. A verbalização do texto por Guida Vianna, de um artificialismo exasperante, só conseguia me colocar do lado de cá do palco. E ela é uma excelente comediante, o que foi mostrado no ano passado, quando esteve por aqui, no mesmo festival, com peças curtas da dramaturga gaúcha Vera Karam. Naquele caso, em que as construções margeavam o tom farsesco, Guida saiu-se muito bem. Aqui, no entanto, me parece que há um ruído entre a construção psicologizante das figuras e o distanciamento proposto pelo modo de atuação da atriz. Dudu Sandroni, o parceiro de Guida no espetáculo, também parece buscar, em alguns momentos, uma atuação "solta", escrachando nas referências sexuais e na figura-tipo do marido pateta.
Será que uma linha de atuação menos cômica não seria mais adequada?
Também fiquei encucado com a "limpeza da cena": móveis novinhos, objetos absolutamente perfeitos, tudo com cara de cenário. O figurino de Guida Vianna também: parecia saído da loja. Tudo apontando para uma foto de revista de decoração. Pode-se, por outro lado, argumentar: a "beleza" da cena tem justamente o objetivo de provocar atrito com a "lavagem de roupa suja" que se verá sobre o palco. Será que foi intencional? Como saber? Só perguntando para o diretor.
A trilha sonora, no entanto, parece me apontar o contrário: a intenção da encenação é fazer um espetáculo limpo, com cara de norte-americano. Se não, por que motivo se utilizaria na sonoplastia aquele jazz do tipo música de elevador, tentando ser sofisticado mas afundando no cafona?
E pensando bem, a própria dramaturgia de Albee está alicerçada nos manuais de playwriting, nos quais os norte-americanos são experts. Isso dá um certo ar de "produto" ao espetáculo, e não na melhor das acepções da palavra.
Talvez isso explique o porque do texto de Albee estar inédito no Brasil por 25 anos.
 
*Marcelo Adams é ator e professor da graduação em Teatro: Licenciatura da UERGS

Nenhum comentário: