segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Uma flauta mágica por Manoela Wilhelms Wolff

“A” flauta mágica*

Uma flauta mágica, espetáculo trazido a Porto Alegre pelo encenador e diretor Peter Brook, baseado na ópera homônima de Mozart, e livremente adaptado por Brook, juntamente com Marie-Hélène Estienne e Franck Krawczyk, com certeza além de trazer uma flauta em cena, trouxe também muita magia.
A história da ópera - no libreto original com cerca de três horas de duração, no de Brook, com uma hora e meia - é uma história de amor. Tamino, um jovem príncipe, se apaixona por Pamina, a filha da Rainha da Noite, que está, no momento, mantida em cárcere por Sarastro. Tamino conhece na floresta Papageno, um atrapalhado caçador de pássaros que vai auxiliar Tamino a salvar Pamina de Sarastro. Nesse momento é que entram os dois atores (espíritos da floresta) de Peter Brook que entregam aos dois uma flauta e um triângulo, que são objetos que os protegerão durante sua jornada. Diferentemente do roteiro original, Uma flauta mágica de Brook, é cantada e dialogada. A narrativa é feita especialmente nos diálogos, enquanto as mais célebres árias da ópera foram mantidas. No elenco, que possui dois grupos completos que se apresentam alternadamente, existem sete cantores líricos e dois atores. Aqui em Porto Alegre, um grupo de cantores/atores se apresentou na quarta e na sexta-feira, e o outro na quinta-feira.
Com os atores de pés descalços, a atmosfera é onírica e intimista. As luzes da plateia ficaram o tempo todo levemente acesas e o cenário já estava à mostra quando entrava-se na sala de espetáculos do Bourbon Country. Alguns bambus no palco, com uma iluminação azul ao fundo, mas com foco amarelo nos bambus permaneceu assim por quase todo o espetáculo, exceto nos momento do ritual de iniciação de Tamino e Papageno. Além dos bambus, que durante o espetáculo eram manejados pelos atores e transformados tanto em castelo, como túneis, como prisão e floresta, utilizava-se, na cena com Papageno e Papagena, um caixote com rodinhas (aparentemente de transporte aéreo), um manto vermelho, uma garrafa de vinho e um jantar. Como acessórios, visualizamos a flauta mágica e o triângulo mágico. Afora isso, eram só os cantores/atores.
A respeito dos cantores/atores também deve ser feito um comentário. Com certeza, a parte musical estava excelente, principalmente pela vanguarda de Brook: ao invés de uma orquestra completa, apenas um pianista, que em alguns espetáculos era o próprio Franck Krawczyk e em outros Matan Porat. Os sete cantores, fizeram muito mais do que é o papel de um cantor lírico: eles mostraram organicidade e energia, retiraram o ar conhecido da ópera (de algo muito mais realista e “pomposo”) para algo simples. Além disso, renderam (principalmente os Papagenos) momentos de risadas enfáticas. As músicas eram cantadas em alemão e os diálogos em francês, e, conforme pessoas que sabem francês e alemão, percebia-se o sotaque em ambos, apesar disso não ser o suficiente para atrapalhar o entendimento (além de legendas, para aqueles que não compreendem nenhuma das duas línguas). Os dois personagens que eram feitos propriamente por atores (os espíritos da floresta), com certeza representavam o antropológico de Brook: movimentos precisos e energéticos, um deles nada fala, comunicando-se apenas visualmente, enquanto o outro até mesmo arrisca palavras em português. Seus figurinos e penteados excêntricos, com certeza atraem o foco dos olhares.
Mas além dessas questões bastante práticas de como funcionou o espetáculo, é necessário acrescentar que foi com grande espera que Peter Brook voltou ao Brasil. Não foi somente em Porto Alegre que os ingressos se esgotaram rapidamente, mas São Paulo e Rio de Janeiro tiveram sessões extras. E não somente em âmbito nacional, América do Norte e Europa também aclamaram o espetáculo. Mas o que será que chamou mais atenção dos espectadores, o nome de Peter Brook, o de Mozart, ou a busca por uma ópera mais leve?
Aqui, muitas pessoas na saída do teatro disseram que o que Brook e sua equipe produziram não foi uma ópera. Em contraposição a isso, faço minhas as palavras de André Toso, que criticou o espetáculo para a Revista Bravo!:
“De uma maneira geral, no entanto, a aproximação entre a ópera e o teatro de vanguarda é um casamento apropriado. Afinal, a ópera foi inventada na Florença do século 17 justamente para ser a primeira forma de arte multimídia. A ideia era misturar talentos de várias áreas artísticas e deixá-los criar livremente (...) Nesse sentido, os encenadores – especialmente os mais criativos – são extremamente bem-vindos ao mundo da ópera, uma forma de arte que já nasceu de vanguarda.” (Bravo! Setembro, 2011)
Acredito que avaliamos provavelmente mal a ópera de Brook, porque temos pouquíssimo contato com o gênero no nosso país. Não sabemos direito nem bem como ele é originalmente, imagine óperas vanguardistas. Mas, para pessoas que se deixam envolver no espetáculo e o admiram sem conceitos pré-estabelecidos o encantamento é o mesmo, porque a mensagem é comunicada. Peter Brook, em uma de suas falas a respeito do espetáculo por ele dirigido, ressalta ainda mais o que acontece longe do Brasil, mas que na Europa e Estados Unidos está em “voga”:
“nos últimos trinta anos, vi muitas encenações de A flauta mágica. E pude constatar que a primeira dificuldade para o encenador e o cenógrafo é o conjunto de imagens que considero demasiado imponente: no caso de Carmen, é um pouco como se a imagem que se projeta e que se espera tivesse um peso excessivo em relação ao restante. A ideia é chegar a que os cantores – jovens cantores – avancem de modo natural, vivo, amável, no desenrolar da intriga sem se impor projeções, construções, vídeos ou cenários giratórios…”.
Não se leva mais tanto em consideração (seja no teatro, seja na ópera – ou seria a mesma coisa?) a imponência de um cenário, de um figurino, ou de uma figura “estrela” do elenco: se leva o todo, o que o todo comunica. Tanto que, pouco nos importa o nome dos atores de Uma flauta mágica, apesar de que o nome de Brook chame público. Mas este é um fardo unicamente dele que cometeu a terrível falha de ser inovador na arte da encenação.
Uma flauta mágica, para mim, é A flauta mágica. Foi minha primeira ópera e meu primeiro espetáculo de Peter Brook. Mas acima de tudo, me deu uma nova visão, me trouxe coisas que eu não conhecia, perspectivas sobre um gênero que até então só via em livros. O espetáculo Uma flauta mágica foi com certeza simples, mas não simplista.
* Manoela Wilhelms Wolff é estudante no Departamento de Arte Dramática da UFRGS

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