sábado, 24 de setembro de 2011

Pequeno inventário de impropriedades por Rodrigo Monteiro

Pequeno inventário de impropriedades*

A literatura contemporânea tem duas marcas que podem ser consideradas definitivas: a hipertextualidade e a polissemia. Pequeno inventário de impropriedades, texto escrito por Max Reinart, sob orientação de Roberto Alvim, durante a Oficina do Núcleo Regular de Dramaturgia do Paraná, em 2009, parece redescobrir a poesia modernista, com versos livres e estrutura solta, e, ao investir no traço polissêmico, acaba fornecendo um material bastante nobre para o teatro pós-dramático ou contemporâneo. Dirigido por Denise da Luz, o espetáculo resulta numa grata surpresa desse final de programação do 18º Porto Alegre em Cena. Reinart, em 45 minutos, leva a cabo o espetáculo de uma forma bastante rica em possibilidades, essa uma característica fundamental para o gênero na qual a produção se insere.
Chão vermelho. Uma cama ao fundo, uma cadeira à frente. O ator inicia o espetáculo a partir do texto. Há um personagem e o público é convidado a conhecê-lo de um jeito pouco esclarecedor: algumas pistas são dadas, mas não o suficiente para nos sentirmos confortáveis como estaríamos num bom e velho drama. Vale aqui a indecisão, a busca, a incerteza, o pântano. Reinart investe, como autor e como ator, em múltiplas possibilidades, fornecendo significantes com várias possibilidades de significados. Um pai de família afinal, um trabalhador, alguém comum que teve a sua vida modificada por um acontecimento fatal. Ou não? No fim do texto, o espectador segue livre para interpretar as coisas de outro jeito, embora todos nós tenhamos partido do mesmo ponto. Se as informações a respeito de suas relações familiares e profissionais fazem a percepção tomar uma direção, o tom de voz e o ritmo de pronúncia do discurso – irregular e, por vezes, gritado – permitem outras conclusões. Nesse caso, é difícil avaliar se o ator interpreta bem ou mal o personagem uma vez que a análise não consegue se decidir sobre qual personagem é esse. No entanto, no que diz respeito à interpretação, avalia-se a produção como cheia de bons valores.
Os elementos que fazem par com o ator na cena também são sinais que acrescentam positivamente ao resultado final de Pequeno inventário de impropriedades. No espetáculo, a luz, o cenário e a trilha sonora, no que diz respeito a sua significação, mas também ao modo como a peça se viabiliza, são aspectos em grande sintonia. Em outras palavras, o extremo cuidado com que cada detalhe se integra à narrativa salta aos olhos do público que se sente valorizado. As projeções, vício desse tipo de produção, aqui foi utilizada de forma rica, principalmente por haver, cenicamente, um objeto/parte do figurino (uma cabeça de cavalo) e uma ação (deitar na cama aos pés dos cavalos) que relacionam a imagem da tela com a imagem teatral. A possibilidade de comunicação entre todos esses elementos garante ao todo a qualidade que um festival como o Porto Alegre em Cena merece e, nesse convidado catarinense, tem.
* Rodrigo Monteiro é crítico teatral

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