quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Os credores por Renato Mendonça

Os credores ficou devendo*
Impossível não sentar na plateia da Álvaro Moreyra sem levar em conta o que eu já sabia sobre Eduardo Tolentino e o TAPA: um grupo coeso e coerente, cujos trabalhos se caracterizam pela excelente direção de atores e pelo cuidado ao remontagem de autores clássicos, como Vianninha, Tchekov, Plinio Marcos, Oscar Wilde, Nelson Rodrigues e Molière. O gênio da vez era Auguste Strindberg (1849-1912), e o texto, Os credores. As perspectivas eram as melhores, mas Os credores ficou devendo.
A trama escrita em 1888 segue o figurino impiedoso de Strindberg, especialista em expor as mazelas de instituições como a Família e o Casamento. Uma amostra da, digamos, reserva que o dramaturgo sueco dedicava às instituições pode ser medida por uma de suas frases mais famosas: “Família, tu és a morada de todos os vícios da sociedade; tu és a casa de repouso das mulheres que amam as suas asas, a prisão do pai de família e o inferno das crianças”.
Em Os credores, a “família” é composta pela exuberante Tekla (Sandra Corveloni), seu marido, o pintor e escultor Adolf (José Roberto Jardim), e seu ex-marido, Gustav (Sergio Mastropasqua). O descornado Gustav encontra Adolf por acaso em um hotel de praia, e envenena seu sucessor contra a independência de Tekla. O manipulador Gustav é tão inteligente como despeitado: garante a Adolf que vai seduzir Tekla, e o convida a que observe a conquista. Dito e feito. O resultado destroi por igual os três: Adolf perde de uma tacada só sua mulher, sua inspiração e seu orgulho de macho. A autoconfiante Tekla precisará conviver com a humilhação de ser prisoneira de seus instintos. O vencedor Gustav sai do jogo sem o “prêmio” maior: sua ex-mulher.
Esse triângulo desamoroso é contado com falas diretas e com humor ácido, animado por um elenco afiado, ambientado em cenário adequadamente despojado e sob luz rigorosa. Além disso, assistir a um texto de Strindberg é compromisso de qualquer um que queira conhecer os gigantes da dramaturgia ocidental. O que deu errado, então, em Os credores? Em minha opinião, a montagem se submete quase que absolutamente ao texto de Strindberg, abrindo mão de recursos de teatralidade que poderiam potencializar a guerra dos sexos travada em cena.
O palco pode ser descrito basicamente como um grande corredor dividido em três partes. Em uma das pontas, fica a sauna onde Gustav catequiza Adolf. No terço central, o espaço onde se dão os encontros e a sedução. A outra ponta é dominada por uma escultura em gelo, que derrete ao longo dos 80 minutos de peça. A escultura em gelo, por exemplo: chama a atenção, mas remete a quê? Ao relacionamento que se desgasta progressivamente? Ao objeto de desejo que se molda às necessidades de cada um? Nada que se imponha. O personagem de Adolf, como se para enfatizar a sua incapacidade de andar pelas próprias pernas e amar pelos próprios sentimentos, usa muletas e as abandona por alguns momentos ao final, quando vai (tentar) intimar Tekla. Previsível.
Fiquei com a incômoda sensação que não perceberia uma diferença considerável entre assistir à peça ou ler o texto em um livro, e isso é fatal quando se quer garantir o comprometimento e a parceria criativa do espectador. Os credores fica, assim, recomendado para quem é fã de carteirinha de teatro de texto, e se disponha a superar momentos de monotonia pela inquebrantável fé na literatura dramática. Quem busca uma linguagem contemporânea ou uma atualização formal da obra de Strindberg vai ficar no prejuízo.
Os credores está em cartaz ainda quinta e sexta-feira, às 23h, na Sala Álvaro Moreyra.
* Renato Mendonça é jornalista (relatomendonca.tumblr.com)

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