segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ninguém falou que seria fácil por Jezebel de Carli

Talvez um dia difícil!*

Quando Marcelo Adams me perguntou se eu gostaria de escrever as minhas impressões sobre algum espetáculo do Em Cena, lembro que respondi sim, mas pedi a ele que fosse “algo” bacana, um trabalho a ver com minhas inquietações, vontades, estéticas e linguagens. Por que? Sempre acho delicado tecer considerações sobre o trabalho dos colegas e como não sou “crítica de teatro”, é sempre mais agradável falar de “algo” que provoca paixão, onde queremos estar ou que gostaríamos de realizar ou ainda, estando como espectadores, sermos provocados seja através do sensível, do humor, do sarcasmo do poético, enfim. Ok, disse Marcelo e me indicou o espetáculo Ninguém falou que seria fácil da companhia carioca Foguetes Maravilha, com direção de Alex Cassal e texto e co-direção de Felipe Rocha. Bárbaro, pensei, será tranquilo. Serei espectadora, as imagens e palavras ocuparão os espaços da memória e, como na edição anterior, ao escrever sobre O idiota, as impressões sairão escorrendo e deliciosamente as palavras preencherão os territórios devidos. Não aconteceu. Tenho dificuldade em escrever, pois tive extrema dificuldade de entrar no espetáculo. Bem, deixaram evidente no título: não será fácil!!!! Mas tinha tudo de que gosto, que droga, o que aconteceu!? Desconstrução, brincadeiras, teatralidade, humor, trocas de personagens, bons atores, certa improvisação, episódios autônomos que se entrelaçam, diálogos curtos, vazios a serem preenchidos pelo público, uma certa “anarquia, sujeira e contaminação”. Me pergunto, por que? Infelizmente não saberei precisamente responder, mas não fui capturada e não fui capturada como espectadora. Algumas questões se organizam. Talvez pelo tempo excessivo, onde já entendemos o jogo e os desdobramentos das figuras apresentadas, mas o demasiado, nesse caso, aborrece e nos leva para outros lugares e espaços e fugimos do instante proposto na cena. Talvez pelo excessivo estar à vontade dos atores e estes a forjarem, de certa maneira, o não estarem em cena, pois sim, é teatro e por mais que queiram me fazer crer no acontecimento como momento presente e improvisacional, é da ordem da ficção, articulado e detalhadamente organizado. Talvez a temática das relações familiares já esteja extremamente desgastada e só tenham sentido pra mim quando vem com a força de provocação, a acidez e o constrangimento de textos como de Nicky Silver (referência à dramaturgia apresentada nessa edição). Ou ainda porque quando se percebe que a trama está se resolvendo, há novos desdobramentos e se retoma a história da menina (Marina), agora adulta, perdida no início da peça e aí já estamos cansados de tantos jogos e inversões, recurso fartamente utilizado ao longo da narrativa. Também porque, o espetáculo, segundo críticas, foi concebido em espaço de arena, no qual, provavelmente, a relação de cumplicidade entre atores e público encharcaria a cena e a experiência de fato se potencializaria.
Passados alguns dias, encontrei um amigo que, ao comentar sobre o espetáculo, me disse que um dos atores havia afirmado que às vezes o espetáculo acontece e às vezes não e que no festival o melhor dia havia sido o segundo e “putz”, pensei eu, vi no terceiro dia. Enfim, sabemos nós, o quanto o teatro é escorregadio, líquido, mutável, frágil e que inúmeros aspectos interferem na performance. Um dia aconteceu, no outro foi péssimo, naquele foi demais, em outro foi técnico e por aí vai. Nota-se ao longo da encenação um esvaziamento de interesse do público, na medida em que os aplausos se fizeram comedidos e pouco entusiasmados, manifestação nada comum nos espetáculo do Em Cena, visto que, na sua grande maioria são ovacionados e aplaudidos entusiasticamente. Em determinado momento um dos atores afirma ao outro, referindo-se a nós, público, algo mais ou menos assim: "essas pessoas estão aqui para verem alguma coisa interessante". Infelizmente, a sensação ao sair do teatro é de que havia “algo” muito mais interessante e potente, mas que não havia acontecido ali, naquela noite com aquelas pessoas e em última instância, a mim não contaminou.
O Em Cena é bacana por isso: diversidade, exposição, subjetividades, divergência de opiniões, apaixonamentos, debates, dissonâncias, mas acima de tudo é maravilhoso, porque vamos ao teatro e vemos público em abundância. A esperança é que um dia, espero que não tão longe, caso contrário, não estarei aqui para presenciar, as temporadas locais também estejam com suas lotações esgotadas.
* Jezebel de Carli é professora, atriz e diretora de teatro

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