quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Nada del amor me produce envidia por Manuella P. Goulart

Nada do amor me produz em vida*
Nada del amor me produce envidia foi a primeira peça que escolhi para assistir no Porto Alegre em Cena deste ano. A montagem argentina partiu do texto do cineasta Santiago Loza e foi dirigida pelo também diretor de cinema Diego Lerman. Estamos diante da história de uma costureira (Maria Merlino) que tem de decidir entre entregar um vestido para Eva Péron ou Libertad Lamarque.
A peça inicia com uma bela música cantada pela costureira. Com isso, já se pode destacar a belíssima voz da atriz Maria Merlino e a importância musical no espetáculo. Por ser um melodrama musical, a trilha sonora tinha um grande efeito em cena: ilustrava o que estava acontecendo e, ao mesmo tempo, demonstrava o gosto da personagem pelas “divas” do cinema e rádio-novela da década de 30.
A situação temporal foi bem definida no espetáculo, não só pelo caráter musical, mas por outros artifícios como figurino e cenário. Quando as luzes acenderam, o público se deparou com um palco com poucos objetos: havia um manequim, uma máquina de costura e uma cadeira. O figurino também é simples e não há excesso de maquiagem.
Essa visão remete à lembrança de que, na Argentina de 1930, as mulheres que não eram bem sucedidas como cantoras, acabavam seguindo a carreira de corte e costura. A personagem não é um caso à parte. É evidente a sua adoração por Libertad – tanto é que ela canta as suas canções em vários momentos – e por Eva – a primeira-dama e estrela cinematográfica argentina. Outro aspecto interessante é o seu constante diálogo com o manequim. Em vários momentos ela conta histórias comparando a sua vida, de costureira, a das cantoras. Declarando sua adoração pelos vestidos que produz. Ela passa a reprimir seu desejo de estar dentro dos vestidos que produz e, mais que isso, em cima de um palco soltando a voz para um público ávido.
Há um momento em que a personagem declara que “costureiras não têm o direito de escolher”, porém, a situação muda quando Libertad Lamarque bate à sua porta e lhe encomenda um vestido. Dias depois, surge Eva Perón pedindo o mesmo que a outra solicitara. A partir disso, ela se vê numa situação contrária à que estava acostumada: há a chance de decidir algo. E é a partir desse dilema que a trama se desenvolve.
Eva e Libertad não estão na história por acaso. Além da disputa existir no espetáculo, também ocorreu algo semelhante na realidade. Ambas foram grandes atrizes, porém a segunda teve mais sucesso que a primeira. Tudo ia bem até que as duas foram contratadas para encenar La Cabalgatadel Circo. Naturalmente, Lamarque ganhou o papel principal. No entanto, isso não impediu que Evita agisse como uma exclusividade: ela sempre chegava atrasada nos ensaios. Não suportando mais a situação, Libertad esbofeteou Eva na frente de todos. A intriga não acaba, após Evita se tornar primeira-dama, Lamarque vai para o México. Lá, ela protagoniza diversas telenovelas.
Não se deve esquecer de falar na atuação de Maria Merlino. Além de sua voz chamar bastante atenção, a interpretação não é diferente. O modo de atuar lembra, em vários momentos, o caso típico do melodrama, ou seja, havia alguns excessos emocionais enquanto relatava as histórias. Estes eram intercalados com momentos de expressões minimalistas – talvez porque a peça é dirigida por um cineasta. Como exemplo, pode-se citar a parte em que a personagem fica paralisada por, aproximadamente, quinze segundos enquanto relata um acontecimento passado. O que poderia dispersar a atenção do público acabou chamando a atenção.
A costureira apresenta uma personalidade ingênua, quase puritana. Apesar do apelo melodramático, fala sempre no mesmo tom de voz, como se estivesse eternamente em um estado de tranquilidade. Mas acredito que isso seja uma forma de reprimir a frustração de não ter seguido a carreira de canto. Marina é exemplar ao construir esse monólogo, ao comunicar tão bem o ato de conter.
O público foi bem participativo: Riu em diversas partes, mostrou grande satisfação – todos aplaudiram de pé por um longo período. Ao mesmo tempo, foi visível que alguns espectadores estavam desconfortáveis: saídas antes do fim da peça, tosses, remexidas no assento.
No mais, é um monólogo constituído de um texto belíssimo e recheado de interações musicais com uma atuação composta de forte presença cênica. Caso os demais espetáculos me chamarem a atenção como este, eu estarei realizada. E no fim, a costureira brilha. Está dentro do seu vestido e com a voz de um passarinho!
* Manuella P. Goulart é estudante do Departamento de Arte Dramática da UFRGS

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