quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Music hall por Newton Silva

  O ator é verbo em Music hall*

A montagem uruguaia de Music hall, texto do encenador e dramaturgo francês Jean-Luc Lagarce (1957-1995), é fiel aos princípios do autor. Colocar em cena a palavra. Ela é o cenário, o conflito e o desejo. Dita e não dita. Materializada e concretizada, exclusivamente, no corpo do intérprete. O ator é o verbo.
Explico. No palco, estão apenas três atores. Os elementos cênicos são mínimos: uma pequena escada, uma mala, algumas peças de roupa, um gravador para fita cassete e um banco de pernas altas. Neste lugar, supostamente vazio, uma atriz veterana (cantora de variedades) e seus dois ajudantes (coristas) desfilam as histórias do seu passado. São micro-histórias de uma companhia periférica, mambembe, que viaja para cidadezinhas provincianas e vazias, que se apresenta em locais pequenos, não raro com diversos problemas técnicos. E o pior. Eles enfrentam, cotidianamente, um público desinteressado, patético, grosseiro e, não raro, diminuto. Ao recriar suas memórias, com humor às vezes cáustico, o trio reafirma a fé em sua arte, a paixão e o gosto por atuar.
A ação tem lugar na narração realizada pelos personagens. Mas aquilo que poderia parecer moroso e lento (os atores o tempo todo contando histórias) encontra sua urgência na força das palavras. Este é o desafio a que se propôs o diretor Diego Arbelo, ator da Comédia Nacional do Uruguai que faz sua estreia na direção: encontrar mecanismos de atuação que sustentem o espetáculo e a falta de um conflito aparente. E o elenco, Fernando Vannet, Gustavo Suarez e Bettina Mondino (excelente) responde à altura às expectativas do diretor. Entre os diversos momentos marcantes da montagem, há um especial. É quando Bettina, com sua lindíssima voz, interpreta a canção francesa De temps en temps.
Music hall declara seu amor ao teatro, a personagens que vivem na poesia da palavra, em um tempo tão repleto de exercícios teatrais estéticos, muitas vezes, vazios. É uma reflexão sobre o fazer teatral, sobre a cultura do espetáculo, e, em última instância, sobre a vida e o destino humano.
* Newton Silva é jornalista e trabalha na TVE RS

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