segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Labirinto por Rodrigo Monteiro

Labirinto*
Labirinto é um espetáculo que reúne três textos de José Joaquim de Campos Leão, mais conhecido como Qorpo Santo (Triunfo, 1829 – Porto Alegre, 1883): As relações naturais, A separação de dois esposos e Hoje sou um, amanhã outro, todos escritos no ano de 1866. Nos anos 60 do século XX, a obra desse obscuro dramaturgo gaúcho, que até então havia sido esquecida, foi redescoberta e republicada. Desde esse período, teóricos respeitados da crítica literária e artística lêem os textos teatrais de Qorpo Santo a partir da ótica do “Teatro do Absurdo”, gênero que começou a ser organizado enquanto categoria consequente de características comuns aparecidas nas obras de Ionesco e alguns outros autores europeus a partir dos anos 50. O vértice está em um ponto de observação do mundo como se quem o olhasse não estivesse nele. Nesse sentido, os acontecimentos fogem do sistema causa-consequência, não possuem uma lógica aparente e parecem, por tudo isso, absurdos. Qorpo Santo, porque viveu no Rio Grande do Sul na metade do século XIX, é tido como um precursor dessas ideias, um visionário. Labirinto só poderia ganhar uma avaliação bastante positiva quando analisado a partir dessas fontes.
Moacir Chaves, que já dirigiu, entre várias outras peças, Esperando Godot, de Samuel Beckett, outro autor considerado representante do mesmo gênero de Ionesco, não se privou de produzir um espetáculo que manifestasse concretamente essas características em outras obras encontradas. O resultado é uma comédia brilhante na mesma medida que simples e despretensiosa: quando uma obra se atualiza ao natural, a fruição é, antes de tudo, bastante proveitosa.
No palco, cadeiras e mesas dispostas sem oferecer ao público chance de identificar uma possível lógica. Na mesma direção, os atores entram trajando figurinos e penteados marcadamente dos anos 60 do século XX. Nos primeiros momentos de cada uma das três peças, a apresentação dos personagens se dá acompanhada do título do texto em questão e os atores que interpretam os personagens levantam o braço quando suas figuras são chamadas. Ao espectador, fica claro que vários atores interpretarão, ao mesmo tempo, os vários personagens. De início, assim como no cenário e no figurino, a encenação não terá uma lógica narrativa tradicional. O “Teatro do Absurdo” começa a ganhar mais uma atualização desde os primeiros minutos de Labirinto. Chaves mantém valorosamente a intenção apresentada durante todo o percurso da representação, o que é excelente, concluindo cada ato com o nome do autor e a data da escritura.
Rubricas e diálogos são ditos como se fossem lidos, como se fossem gritados, como se fossem monocordes, como se fossem outra coisa que não rubricas e diálogos. Assim, os signos paralinguísticos não concordam com os verbais, ou seja, a coerência manifestada na manutenção da incoerência é característica de Labirinto, esse apenas um exemplo de como se organiza a sua convergência. Em raros momentos, os personagens se consolidam, as figuras se estruturam e nos deixam pensar nas influências que Qorpo Santo “sofria” em um período literariamente romântico e teatralmente operístico. (O Theatro São Pedro foi fundado em julho de 1858, 8 anos antes da escritura das três referidas peças). Mas a encenação de Chaves “resolve” essa questão na medida em que divide os personagens entre diversos atores, múltiplas intenções, funções actanciais diferentes.
No elenco, destacam-se Danielle Martins de Farias e Andy Gercker pela forte presença cênica: olhares precisos, tonalidade explorada expressa, movimentos bem marcados. Também, a beleza sutil da voz de Adriana Seiffert que, talvez irônica, enriquece a encenação no seu discreto número musical. Não há, é preciso que se chame a atenção para esse aspecto, momentos ruins no trabalho de interpretação dos atores, o que, além deles, garante mérito ao diretor e à produção como um todo.
Antes de concluir a análise, convido os leitores para dois passeios. 1) Fotos de Gladis Maia do estado de abandono da Casa de Qorpo Santo, em Taquari-RS, exata oposição à homenagem prestada pelo grupo carioca dirigido por Chaves a um dos maiores dramaturgos brasileiros; 2) As loucuras de Qorpo Santo, vídeo produzido em 2003, documentário parte da série Histórias Extraordinárias, da RBS TV, com roteiro e direção de Hique Montanari.
* Rodrigo Monteiro é crítico teatral

4 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, bem-vindo o teu comentário Rodrigo. Os outros escritos estavam a canonizar de vez o Santo, mas desferiam algumas mordidas no Qorpo da encenação de Moacir Chaves. Por mim a proposta cênica estava muito coerente com o autor. Feia, suja e malvada, no sentido de não fazer concessões ao teatro burguês. Veja você, atores que saiam da área de luz, enquanto falavam, outros que, deliberadamente, estavam sentados em lugares de má visibilidade, pronunciavam grandes monólogos. As cenas homo-eróticas eram de uma cômicidade colegial. A libido e a sexualidade estavam propositalmente bloqueadas, o que gerava anodinia na sensualidade das atrizes e garganta inchada nos atores. Tudo a ver com a problemática da repressão sexual tratada no texto. Acredito que tudo isso é proposital e remete a uma crítica a expectativa do gozo fácil, que se costuma encontrar nas comédias certinhas. O figurino "bixo-grilo" e as canções de Janis Joplin, não são a própria paródia de um tempo onde se sonhou com as relações livremente naturais? A montagem foi respeitosa até demais, eu diria, deu importância às rubricas e não se sobrepôs ou foi inventiva em relação a elas. Acabou por ser mais uma elegia ou um elogio fúnebre tardio ao nosso caro Qorpo Santo. Uma sátira à hipocrisia, fazendo uso da feiúra numa medida que só à Arte é permitido, pois que só ela tem o martelo iconoclasta. Finalmente: Qorpo Santo é precursor do Teatro do Absurdo? Como? Vamos, então, pós-conceitua-lo? Não será isso um pré-conceito contra a liberdade de não pertencer a nenhum agrupamento conceitual? E viva o casamento da Pharmacia com o Esculápio!E do Truque-truque com o Tatu!!!

Anônimo disse...

Esse comentário possui algumas coerencias, mas tem cara de ser alguém magoado e até um pouco chato. Sem duvida é texto de um individuo que sabe criticar, mas que nao tem a menor competencia de propor algo melhor!

Anônimo disse...

Putz, o sujeito (a) não entendeu bulhufas. Não percebeu que fiz um elogio à montagem, por estar coerente com uma proposta provocadora. Creio, suponho, deduzo, que a única frase minha ali postada, que poderia ter gerado esta resposta é: "a cenas homo-eróticas eram de uma comicidade colegial". Não era pra te ofender meu bem. Reafirmo, que tudo o que pareceu errado aos outros comentadores, pra mim estava CERTO, Ok? Caro moderador, por quem sois, sugiro que não se aceite palpites anônimos. Estamos em época das pessoas assumirem com orgulho sua etnia, sua tendência sexual e, obviamente, seu próprio nome.

Rodrigo Monteiro disse...

Pois é, Camilo! Na real, eu fiquei na dúvida se o que o Anônimo está falando é sobre o meu "comentário" ou o teu... Acho meio desnecessário aceitar esse tipo de comentário que, ao invés de dar continuidade ao debate sobre a peça, ataca quem escreveu sobre ela...