sábado, 18 de setembro de 2010

Rodrigo Ruiz: Na solidão dos campos de algodão



Foto: Cristine Rochol

V
erbo ou imagem: quem vai querer?


Na solidão dos campos de algodão (1986) é considerada a peça central da obra koltesiana: menos espetacular que Combate de negro e de cães (1983) e menos provocadora do que Roberto Zucco (1990). No entanto, possui uma perfeição formal das mais desafiadoras. Segundo Pavis, "nesta obra, nos deparamos com a exposição quase matemática dos temas relacionados ao comércio, com as suas tentações, as suas tentativas e as suas tensões por meio de um diálogo que nos remete mais a um tratado de filosofia do que a um drama".

Um conflito aberto, que opõe dois personagens em extensas falas, onde se respondem argumento por argumento segundo as regras de um tratado de lógica ou de direito. Apesar de estarmos diante de uma situação dialogada, esta se revela desafiadora na medida em que as extensas falas quebram o ritmo esperado de um diálogo, convertendo-o mais em solilóquios. Ou como define Heiner Müller, uma estrutura de árias que permite ao autor estar mais ou menos diretamente presente no texto.

Contudo não apenas de palavras se faz teatro, como outra qualquer a arte cênica espera também por imagens. Mas como equacionar esses dois atributos: verbo e imagem? Nesse sentido, a encenação carioca de Na solidão dos campos de algodão, proposta por Caco Ciocler e cenografada por Bia Junqueira, obtém um resultado dos mais interessantes.

As oposições argumentativas materializam-se por meio de um engenhoso tablado, subdividido em 5 gangorras. As alternâncias de altura que o dispositivo permite contribuem para demarcar linhas de força entre os personagens, traduzindo visualmente suas diferenças. A cenografia é complementada ainda por pilhas de estrados e pelo chão cascalho e serragem, elementos, que juntamente com a iluminação, constroem um espaço cru, rústico, atemporal e impessoal.

Os contrastes se estendem também à composição dos personagens: sorrisos cínicos e tom conciliador de um lado, contra um semblante grave e exasperação do outro. Paradoxalmente, quem ataca, cinicamente, se mostra fraco, enquanto que sua vítima mostra-se quase sempre forte. Posições cenicamente contrastantes e análogas a estrutura formal da obra escrita.

Todavia, apesar de bem elaborada as escolhas visuais, a encenação, no geral, não chega a empolgar. Saí do espetáculo tentando compreender onde estaria o problema. Por que não me "pegou"? Lembrei-me de Bárbara Heliodora, que critica a fragilidade dramática da obra. Rememorei os momentos em que não compreendi o que os atores diziam, apesar do microfone, por conta da má articulação vocal. Outras encenações de Na solidão... vieram à minha cabeça, igualmente imperfeitas, embora menos impactantes do que esta. Com grande pesar, pois sou absolutamente apaixonado pelo texto, sou forçado a me perguntar se o problema não provém dele e seu demasiado palavreado, carente de uma intriga mais sólida. Ou de uma concepção de espetáculo que imprima dramaticidade, sem abrir mão da poeticidade das falas.

Será o texto? A encenação? Ou eu? Não sei dizer, mas sigo pensando.

*

Rodrigo Ruiz: Ator, diretor e produtor teatral. Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação da UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul (2007), Especialista em Teoria do Teatro: Cena Contemporânea (2006), Bacharel em Artes Cênicas em Direção Teatral (2004) e em Interpretação Teatral (2002) pelo Departamento de Arte Dramática da UFRGS.

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