quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Produção de palco: Silvana da Costa Alves

Foto: Camilo Brunelli
Produção

A maioria das pessoas não têm a menor ideia do que significa “produção”. Especialmente no que se refere à indústria cultural. Que antes de produzir ela mesma, faz girar a roda da economia em diversos setores até ter seu produto pronto pra consumo – sem saber se será consumido.

Assim como há produtores de moda, produtores de filmes, produtores de elenco, de locação, de objetos, de figurino, num evento grande como o Porto Alegre Em Cena, produtores são divididos em áreas diversas (logística, produção executiva, etc) e com atribuições diferentes que podem, em determinado momento, sobrepor-se.

Lá, na pontinha de tudo, está o produtor de palco, que, pelo nome, deveria ser a pessoa que – da porta pra dentro – está atenta a tudo que acontece na sala de apresentações de uma peça. Tem lá sua planilha pra ver se tudo está acontecendo como deveria, procura as pessoas que devem resolver este ou aquele problema neste e naquele horário e, sobretudo, procura, ela mesma, resolver questões sem precisar acionar outros profissionais, de maneira que o espetáculo esteja preparado pra começar no horário marcado e os grupos (elenco e técnicos) estejam bem atendidos.

Na prática, produtor é o desentortador de pepinos, o descascador de abacaxis, a pessoa que faz aquilo que não tem exatamente nome e que ninguém mais quer fazer. (risadas) Precisa ter um mínimo de organização e se não sabe ou não pode fazer algo, saber quem faz (a famosa agenda de produtor) – no caso do festival, a “hot list” com os contatos de “quem é quem”.

Parece fácil? Bem, não é exatamente tão simples. Na prática, é necessário conhecer, pelo menos, um pouco de cada item envolvido numa produção. Seja ela de audiovisual, teatro, evento. Saber o máximo sobre os equipamentos envolvidos, as obrigações de cada profissional, entender de questões cenográficas, necessidades de contrarregragem, se antecipar aos problemas, conhecer legislação trabalhista e, ainda por cima, ter muita paciência e firmeza pra lidar com o público interno e externo. Dificilmente vai ficar amigo de todos, então, é bom aprender a lidar com as frustrações. Quanto mais souber, menos ficará preso a opiniões alheias e equívocos de pessoas não aptas e mais rapidamente resolve eventuais problemas.

No Porto Alegre em Cena é necessário, muitas vezes, ser a linha de frente e o mais complicado pode ser mesmo lidar com o público externo. Não há alguém específico pra essa função que ocorre de modo imprevisto ao longo do dia e com certas surpresas quando chega perto do horário do espetáculo. Como os ingressos são vendidos com antecedência, a maior parte das questões que surge é ligada a isso: conseguir assistir ao espetáculo. Algumas pessoas podem simplesmente não querer entender que, sem ingresso e com uma sala completamente lotada, não há forma de isso acontecer. Outras acreditam que seu motivo de atraso é único e entrar numa sala escura cuja porta dá diretamente no palco é seu direito divino, mas não importa o quanto elas queiram ou possam pagar por isso, isso não vai acontecer. O importante, em todos os casos, é que a informação da coordenação seja apenas uma, sem variáveis. Isso dá segurança ao produtor alçado à condição de “porteiro” de que sua posição vem de uma instância superior e, portanto, ele pouco ou nada pode fazer. Logicamente sempre vão existir questões que precisam ser resolvidas de um modo diferente e, dentro do possível, assim acontece. O principal é manter a calma e rir com as histórias que se acumulam.

Três tipos de filas, quase sempre longas. Gente virando a cara, gente que xinga. Gente que te olha com cara de cachorro pidão e tu ali, com cara de madrasta má (ninguém gosta, né?)! Equipes se apoiando, mesmo que não diretamente ligadas ao festival. Um dia, tivemos problema técnico meia hora antes do espetáculo. Foi demorado descobrir o que era e, enquanto se resolvia tudo dentro da sala, pedimos ao pessoal que fazia uma divulgação autorizada junto à fila, que começasse bem pertinho da hora da apresentação, para assim entretermos o público da fila e ganharmos um pouco mais de tempo. E não é que funcionou? Enquanto o público ria com os palhaços, os técnicos fizeram malabarismos pra consertar o problema e, com pequeno atraso mal notado, o circo estava armado! Grupo, técnicos do festival e atores da divulgação trabalhando juntos.

O importante é que “entre mortos e feridos, salvaram-se todos”. Ditado antigo que ainda não entendi, mas uso. Só acaba quando termina e só termina quando dá certo. Parece que mais um Em Cena deu certo.

Sugestão pra entender mais do ofício: filme Mera coincidência (Wag the Dog - http://www.imdb.com/title/tt0120885/ ) de 1997. Resumindo: nunca desista! Mas saiba que, de antemão, que o produtor é o que faz de tudo pra que o trabalho aconteça, mas ninguém sabe que ele existe. Deixe o ego em casa se for trabalhar em produção.

*


Silvana da Costa Alves é atriz. Trabalhou do 1° ao 4° Em Cena e no 6°. Sentiu saudades e aceitou o convite para o 17°.

Um comentário:

Guilherme Nervo disse...

Adorei teu texto, Silvana! Bacana que o blog tem espaço para esse tipo de texto também.