terça-feira, 28 de setembro de 2010

Helena Mello #6: Último tango em Berlin - Ute Lemper


Foto: Caroline Morelli / PMPA

O luxo de uma voz

Creio que, em breve, não precisarei mais dizer que não gosto de ler sobre o que pretendo assistir. Às vezes, só dou uma olhadinha no dia do espetáculo nas informações ou se alguém me pergunta. Na hora da compra, também, mas, depois, esqueço completamente. Com Ute Lemper, não foi diferente.

Cheguei cedo ao SESI. Afinal, a distância obriga a saída de casa com antecedência. De qualquer forma, não pude ficar no saguão encontrando colegas e amigos, pois meu lugar era no mezanino e por ordem de chegada. Escolhi um lugar que me dava uma visão clara do palco, mas a longa distância como não poderia deixar de ser. Assim, só na hora em que a apresentação começa é que percebo que a cantora poderia ter um olho na testa que eu não saberia dizer. Neste momento, sinto falta daqueles telões que colocam nos grandes shows e que são uma incoerência para quem foi para assistir a alguém ao vivo. Poderia ser um binóculo... Porém, como estamos falando de música e o som era excelente isso não deveria de fato atrapalhar.

Logo no começo, a voz de Ute Lemper arrebata. É linda. E sua capacidade vocal é surpreendente. Não tivesse eu a visão de que se tratava de uma única cantora poderia imaginar que eram várias. Ela “brinca” com a voz indo do grave para o agudo, fazendo vários ritmos, criando sua versão de algumas músicas que consigo reconhecer levemente e outras tenho a impressão de jamais ter ouvido. Ute se movimenta no palco de maneira elegante e graciosa em um longo vestido preto, longilínea, dando inveja a qualquer mulher. Conversa com o público em inglês e só identifico alguns trechos, enquanto a plateia ri e eu fico sem saber o porquê. Só me alegro quando ela diz ao final de uma música: “arretez la musique” (parem a música).

Enquanto a escuto, tenho a certeza de que estou assistindo a uma das melhores apresentações do Porto Alegre em Cena. Um espetáculo com características internacionais, de alta qualidade e a R$ 10,00. Um luxo. Isso sem falar no pianista e no músico que toca o bandoneon. Infelizmente, lá pelas tantas, a distância do palco e a quantidade de músicas que não conheço começa a me deixar desatenta. Minha mente foge para começar a pensar nas tarefas da semana. Faço força para voltar, enquanto penso que podemos assistir a um filme pela primeira vez e ficarmos maravilhados. Ver uma peça de teatro e nos encantarmos completamente, mas com a música é diferente. O bom é poder reconhecer. Quanto mais ouvimos uma música que nos agrada, melhor ela fica. Assim, tenho certeza de que é isso que está faltando ali para mim. Ainda bem que vi Cabarecht, de Humberto Vieira, atraída pela participação de meu mestre Zé Adão Barbosa, pois isso facilita. E, para que minha ignorância musical não estrague a ocasião, depois de aplaudida de pé por um SESI que, de onde eu estava, me pareceu lotado (1.790 lugares), Ute Lemper volta e canta Ne me quitte pas. De um jeito que, mesmo para mim, que ouço a música há anos, jamais tinha ouvido. Saio do teatro sabendo que foi um privilégio estar ali àquela noite em Porto Alegre, mas que podia ser em qualquer outra parte do considerado primeiro mundo.

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Helena Mello
Jornalista e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Autora do blog www.palcosdavida.blogspot.com

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