quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Guilherme Nervo #2: Sissy!

Foto: Mariano Czarnobai / PMPA

Da banalização

A arte performática pode conjugar teatro, música, vídeo e poesia. No caso de Sissy! temos uma performance não-verbal conduzida pelo trabalho essencialmente corporal. Já que a voz é mascarada e o corpo desnudado, a sustentação é dada através da forma, da escrita cênico-corporal. Ao ler a sinopse da performance francesa, é difícil não querer assistir-lhe, não ficar empolgado com o tema proposto por Nando Messias, o protagonista, em seu doutorado prático na Central School of Speech and Drama: o conceito de “sissiografia” do corpo. O título é um pejorativo inglês para o homossexual afeminado, equivalendo a “bicha”, “veado”, “marica” ou mesmo “queer”. Todos conhecem a figura masculina detentora de formas femininas ao manifestar-se: do modo de caminhar ao modo de pensar. Inclusive, os meios de comunicação massivos, como a televisão, não hesitam em explorar a já muito desgastada e banalizada imagem do homossexual afetado, mesquinho e arrogante.

Sissy! consegue romper tal barreira? Alcançar o que vai além da superfície? Não, Sissy! não alça vôo em momento algum. Se existe sucesso no processo de escrita do conceito “sissy” no corpo do performer/dançarino Nando Messias, este sucesso é feio, é grotesco e causa repulsa. Nando representa o lado ultra-feminino, o transexual fraco e marginalizado: pernas lisas e longas, salto alto, batom, comprido cabelo negro e corpo magérrimo. Relaciona-se com Biño Sauitzvy, também diretor, que representa o lado masculino, o boxeador forte e opressor: porte musculoso, regata e tênis barulhento.

Concluo, então, que o conflito entre os sexos existe. E aí? Parece-me impossível evocar reflexão ou admiração por um trabalho que se agarra em estereótipos e falha na tentativa de causar riso ou emoção. Não interroga nem desconstrói a naturalização dos corpos em papeis e práticas sociais cristalizadas, separando os sexos em blocos distintos.

Poucos foram os momentos em que senti algum lirismo, como a longa coreografia inicial, permeada por uma junção de lábios eterna. Diante da nuvem de apelação, meus olhos embaçados não foram capazes de visualizar a arte sensorial, o indivíduo fragmentado, híbrido. É possível enxergar técnica e dedicação, por exemplo, nas passagens em que havia sobreposição de peso entre os corpos, as quais clamavam por entrega e confiança recíproca. Ainda assim, faltou a Sissy! vida e profundidade.

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Guilherme Nervo é crítico de teatro do site www.poashow.com.br

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