quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Alexandre Dill: Chocolate - Maria João e Mario Laginha

Foto: Mariano Czarnobai / PMPA

Degustação do sentir

Chocolate ultrapassa a representação de uma celebração, é mais que um espetáculo que marca os 25 anos de carreira de Maria João e Mário Laginha. É a degustação do ‘sentir’. Em absoluta forma, Maria João está deslumbrante, enquanto Mário Laginha exibe um entusiasmo incondicional, como instrumentista, compositor e arranjador.

Meu primeiro contato com a voz de Maria João aconteceu em 2008 quando a cantora editou um álbum inteiramente composto por brasileiros, que reúne standards do cancioneiro brasileiro como Retrato em branco e preto, Canto de Ossanha ou Valsa brasileira, Tico-tico no fubá e canções menos conhecidas como Dor de cotovelo ou A outra. Este foi meu único contato com a cantora até então.

Depois de um dia de muito trabalho, sigo para o teatro pensando em muitas coisas que devo realizar. A única coisa que não havia pensado era no espetáculo. (Eu não gosto de criar expectativas para não me decepcionar. Sempre penso que vai ser ruim e quase sempre dá certo!). Fiz bem: o bem-sucedido e louvável show, que não se decifra em palavras, é feito de percepção.

Este é um espetáculo original, que simultaneamente sintetiza e faz rejuvenescer a alma. Chocolate emociona o espírito com o de melhor Maria João e de Mario Laginha, sendo This time a mais gloriosa e genuína canção que a dupla hoje nos ofereceu, sem desprezar Mati Mati, que me encantou pela sonoridade africana, sobre a qual vi aflorar a faceta mais acrobática de João.

I have a heart just like yours, um original com sabor a Sting, representa o momento mais pop do disco e funciona como um bom arranque, ao mesmo tempo em que permite adivinhar momentos ainda melhores. A confirmação disso surge logo na versão de Goodbye Pork Pie Hat (homenagem de Mingus a Lester Young), sobre a qual a vocalista traz uma nova magia ao poema de Joni Mitchell.

Maria João tem voz de sonho, voz que brinca com as palavras e com o tempo em que as profere e gera uma tensão inebriante que, às vezes, dá lugar a breves improvisos do tom grave de João, que parece provir do mais profundo recanto da alma da cantora, que só parcialmente se liberta durante os iluminados e incríveis solos de Laginha.

Para o final, ficou guardada uma inesperada versão de When you wish upon a star – a canção do grilo falante do Pinóquio – em que é admirável a determinação e a originalidade com que Maria João, imune ao tema Disney, reconstrói uma música nova, uma melodia incomum.

1) açúcar: doce, saboroso e que provoca loucuras (tenho uma certa fixação no ‘açúcar’) ;
2) cacau: amargor saboroso que libera sensação de satisfação;
3) gordura: também tenho uma certa afeição pela por coisas com gordura.

Talvez tenham sido estas as minhas impressões sobre Chocolate. A cada instante, me senti degustando bocados de chocolates e sentindo todos os seus efeitos.

Se tiver outra oportunidade, não deixe de provar!

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Voz: Maria João / Piano: Mario Laginha / Duração: 1h30min / Classificação: livre

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Alexandre Dill é formado pela Escola de Teatro Popular da Terreira da Tribo, foi ator do Grupo Teatral Máschara, de Cruz Alta, durante 11 anos. Nos últimos anos, dedica seu trabalho ao Projeto Olhares para o Trágico, desenvolvido pelo GRUPOJOGO de ExperimentAção Cênica do qual é ator e diretor dos espetáculos Play-Beckett: enquanto espero, jogo e Fenícias.


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